Marlin
estava sentada na varanda de seu apartamento. Morava naqueles conjuntos
residenciais que eram autossuficientes e que tinham um custo muito baixo para
funcionários do sistema. Não havia mais governo da forma como entendíamos no
passado. As grandes corporações dividiam entre si o poder. Na verdade havia
pouco de político no sistema administrativo. O avanço da ciência havia
sepultado para sempre uma série de ideias, preconceitos, maneiras de agir. Como
sempre, havia o lado positivo e o negativo. Havia poucas preocupações sociais.
Os maiores conflitos estavam concentrados nas próprias pessoas, muitas vezes
envoltas em um tédio terrível gerado pelo próprio fato de que tudo era
previsível e de que tudo já tinha sido resolvido anteriormente. Faltava um pouco de
incerteza, um pouco de “perigo” para os humanos, algo que aguçasse os sentidos.
Como
se podia deduzir por Marlin, o próprio aspecto dos seres humanos estava
bastante diferente. As pessoas eram magras, altas, sustentadas por músculos
rígidos, porém não volumosos. As cabeças eram completamente sem cabelos e quase
todos usavam túnicas não muito diferentes umas das outras.
-Então,
Ray, como foi seu dia?
-
Um pouco monótono. A única coisa interessante foram as notícias sobre o
acelerador de partículas que estão inaugurando na próxima semana em Marte.
-
Ouvi falar. É algo inédito pelo seu tamanho... Parece, no entanto, que não estão
falando tudo que deveriam falar sobre o projeto.
-Dizem
que a companhia que cuida desse projeto não é muito de marketing e é cheia de
segredos.
-Devem
ter seus motivos.
O
inglês que falavam, agora praticamente a única língua existente, era bastante
diferente do inglês falado no sec. 21. Era como se ela tivesse engolido as
outras línguas mais conhecidas, triturado suas palavras, aproveitado a essência
do que era assimilável e revestido tudo com um toque americano. Qualquer pessoa que conhecesse uma língua
antiga, principalmente uma das línguas latinas, poderia sentir que havia um
pouco do espírito da sua própria língua ali, sem saber dizer o que exatamente.
-Claro,
eles não fazem nada sem motivos. De qualquer forma, no momento, o que mais se
comenta é sobre os restaurantes estilo século 20 que estão proliferando pela
cidade.
-Ouvi
comentários a respeito. Um deles tem imagens holográficas quase perfeitas de
pessoas da época. É como se eles estivessem andando pelo ambiente.
-Mais
do que isso. Emitem aromas da época. Conseguiram até trazer o cheiro da rua da
época para dentro. Um deles tem até um pedinte que olha pela janela estendendo
um boné.
-Isto
é de mau gosto...
-Acaba
se integrando na paisagem. As pessoas se divertem. Você sabe como é difícil
divertir as pessoas hoje em dia.
-Como
sei...
Falaram,
falaram... era bom. Numa época em que pareciam esgotadas todas as formas de
entretenimento, onde tudo parecia ter sido já inventado, onde todos os temas já tinham sido abordados e todas as histórias já contadas, era bom ter alguém que conseguisse
conversar por mais de uma hora.
Marlin
pensou consigo mesmo como Ray era um bom companheiro. Tem sido maravilhoso
desde o primeiro dia em que ele entrou naquela casa. Calou-se um pouco. Depois
levantou-se, falou um “boa noite” bem terno para Ray, que respondeu sorrindo, e
foi se deitar. As luzes suaves da varanda se apagaram automaticamente. Ray,
então, abaixou a cabeça, encostou o queixo sobre o peito e ficou silencioso e
imóvel como um boneco, ali mesmo na poltrona onde estivera o tempo todo.
Você
jamais saberia quem era Ray se não pudesse olhar atrás de sua nuca e olhar com
uma lente umas minúsculas inscrições. Lá dizia o ano de fabricação, o nome do fabricante
e outros dados técnicos. Era um robô de companhia. Perfeito. Era o melhor e
único amigo de Marlin.
Boa Noite!!!
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